Este espaço é uma homenagem ao grande sociólogo e historiador Gilberto Freire criador da obra homônima. Seu objetivo é a divulgação de latinidades, africanismos e gentilidades e o desvelamento desse povo apaixonante e apaixonado denominado latino americano e suas origens.

sábado, 26 de fevereiro de 2011

O Islã na África e no Brasil


No séc.VI d.C. alguns principados da Núbia e o Reino da Etiópia já eram estados cristãos fora da área de influência do Império Romano. A Núbia, civilização grandiosa que existiu desde priscas eras, localizada ao sul do Antigo Egito, na forquilha formada pelo encontro do Nilo Branco com o Nilo Azul foi governada por sucessivos reinos e até elegeu um faraó no mundo antigo. Atualmente denominado de Sudão é uma região islamizada enquanto na Etiópia o cristianismo permanece como a religião da maioria. Desde o ano 100 haviam cristãos pregando sua fé a partir do norte, de Alexandria no delta do Nilo e no séc. IV o evangelho era pregado na Núbia pelos peregrinos que vinham do Egito pelo rio Nilo em direção à sua nascente. Os povos semitas eram os principais responsáveis pelo intercâmbio de mercadorias entre a Europa, África, Pérsia e Índia desde a época do Império Romano.

Nesta época, Axum, nas terra altas da Etiópia, próximo da fronteira da atual Eritréia tornou-se um reino importante e rico submetendo os seus vizinhos. Sua casa real foi a primeira, fora da influência  romana, a adotar o cristianismo no ano 500 d.C., um século antes de Maomé fundar sua religião baseada no Alcorão. O cristianismo chegou através de comerciantes que vinham pelo Mar Vermelho e traziam junto os pregadores dessa fé. Tanto o cristianismo quanto posteriormente o islamismo tinham em comum a prática do proselitismo, isto é, diferente do judaísmo onde o praticante deve possuir origem familiar judaica para professar a religião dentro de uma comunidade fechada, qualquer pessoa pode converter-se ao cristianismo ou islamismo desde que faça profissão de fé e aceite os preceitos das respectivas religiões. Na África encontraram solo fértil para arrebanhar adeptos, uma população sensível aos seus apelos de fé em busca de um tratamento igualitário. Logo ambas as religiões iam impor grande pressão na região com a vinda dos mercadores árabes que comerciavam com esses povos e estabeleciam relações duradouras. 

Nesta época (de 560 a 632), Maomé, o profeta islâmico, perambulava entre Meca e Medina com suas pregações e rapidamente sua religião se difundiu pelo norte da África. O termo Islã se refere à submissão a Deus como um paradigma de proselitismo monoteísta. A partir de 660, os seguidores de Maomé conquistaram toda a península Arábica e começaram a expansão de seu império baseado na fé islâmica, religião que iria causar grande influência na África Negra.

Desde o séc. VII os povos do norte da África chamados bérberes adotaram o islamismo. Povos nômades que até hoje habitam o Saara, os Azenegues e Tuaregues, na época criavam camelos e conheciam as rotas seguras e oásis das regiões saarianas onde se dedicavam ao pastoreio e comércio de caravanas. Onde hoje se localizam a Líbia, a Tunísia, a Argélia e o Marrocos, na costa mediterrânea, estavam localizados os portos por onde chegavam as mercadorias trazidas pelas caravanas através do Saara e pelo Sael. Esses povos nômades eram os guias que tornavam possível o transito de mercadorias por região tão inóspita. O camelo de duas corcovas e o dromedário com uma só corcova, animal que foi introduzido no séc. IV a partir do Egito vindo da península Arábica, serviu para unir o Sael ao norte da África e ao mediterrâneo e facilitar as comunicações como transporte ideal  de cargas, graças a sua robustez e resistência, pois é capaz de permanecer dias sem nada comer ou beber, através das longas jornadas envolvidas pelo deserto. As cargas seguiam assim para península Arábica e para o Mar Vermelho, por terra e por mar.

Esses comerciantes tuaregues ligavam toda a região do Sael que os Árabes denominavam Bilad-Al-Sudan, que significa terra de negros, onde hoje estão localizados os países do Sudão, Chade, Níger, Mali, Burquina Faso, Mauritãnia e Saara Ocidental difundindo a fé islâmica por toda essa ampla área de penetração. Foi  dessa influência que se formaram os antigos impérios de Gana (do séc. VI ao séc. XIII ), do Mali ( séc. XIII até o séc. XVII ) e Songai ( séc. XVII até o séc. XVIII ). As condições geográficas e físicas do delta interior do rio Níger, como é chamada essa região localizada ao sul do Saara, onde o rio faz uma acentuada curva para o sul, formam uma rede de rios e canais interligados que a fertilizam, facilitaram a constituição desses impérios africanos.

A fertilidade da terra favoreceu o surgimento de populações agrícolas e formação de cidades que através dos  meios fluviais trocavam mercadorias com o interior e as áreas de floresta, em contato permanente com as caravanas que cruzavam o Saara até os portos mediterrâneos. As cidades mais freqüentadas pelos comerciantes no séc. VI eram Tombuctu, Gâo, e Jené, no atual Mali. Do ano 100 ao séc. XIX a cidade mais importante dessa região foi Tombuctu. Era ponto de descanso obrigatório das caravanas que atravessavam o deserto. Foi considerada o elo entre a África Negra, o mundo islâmico e a Europa, sendo o centro dos impérios que ali existiram. 

Os povos que ali habitavam eram diferentes dos bérberes, povos arabinizados com feições semitas. Suas populações eram principalmente Mandingas e Fulas, mas coexistiam também outros grupos com diferentes culturas que conviviam em relativa harmonia. Eram agricultores, pastores, tecelões, ceramistas e trabalhavam o couro. Nas cidades se concentravam os ricos comerciantes, administradores, e artesãos. Mantinham suas raízes culturais através da tradição oral, histórias eram transmitidas através das gerações sobre os antepassados, seus deuses e heróis, suas regras e crenças, guardando e preservando suas tradições tribais. Habitantes das savanas e florestas possuíam diferentes culturas. Na região do rio Senegal que segue direto para a costa, no Oceano Atlântico vivam Jalofos, Sereres, Bambaras, Mandingas e Fulas, muitos deles convertidos ao Islã desde o séc. X. Na bacia do rio Gambia, ao sul do Senegal, os grupos predominantes eram os Beafadas, Banhuns, e também Mandingas. Das zonas de cabeceira dos rios Senegal e Níger, no Futa Jalom, os Fulas iam se espalhando para o leste. Na foz do rio Volta viviam os Acãs, em terras auríferas. Seus vizinhos a leste eram os povos conhecidos como Iorubás. Os Hauçás habitavam mais o interior, em zonas de savana, mais ligados ao Sael. Existiam reinos que ocupavam áreas consideráveis com grandes riquezas, arquitetura elaborada e fabricação de artefatos de grande beleza.




Outra cidade que se destacava era Ifé, espécie de cidade-mãe que deu origem a organização política e social das outras localidades da chamada Iorubalandia ou Iorubo, a atual Nigéria. Dessa região saíram grandes contingentes escravizados para as Américas, comércio que passou a ter valor de importância maior a partir do séc. XVII mais que outros frutos da terra ou minerais preciosos. A abundante oferta de mão de obra escrava, prisioneiros de guerra e populações sequestradas de suas aldeias no interior do continente compunham os contingentes de pessoas que eram vendidas aos comerciantes europeus atravessadores  que levavam a mercadoria viva ao Novo Mundo.

Foi a partir do séc. VII que o Islã se expandiu pelo norte da África, pelo vale do rio Nilo, pelas rotas do Saara e pela costa oriental do Mar Vermelho, do golfo de Aden até o oceano Índico. Exércitos e pregadores, uns submetendo, outros predicando suas idéias e convencendo o povo que vivia em quase escravidão iam difundindo os dogmas da nova fé pelo continente africano. No início do séc. VIII os árabes ocuparam a costa oriental africana forçando os Abissínios a se refugiar nas terras altas da Etiópia onde puderam manter sua cultura cristã.

O norte da África se converteu ao Islã entre os séculos VII e IX, e no séc.XI povos da região do Marrocos adotaram a religião, levando-a para as zonas dos rios Senegal e Níger. Os povos do Sudão central incorporaram a fé islâmica a partir do séc. XIII. Seus vizinhos a leste, como Darfur e  Senar receberam essa influência a partir do mar vermelho. Até o séc. XIV todo o Sael havia sido islamizado. Zanzibar, na costa oriental às margens do oceano Índico também adotou a mesma fé. 

No Egito, em todo o norte da África, no Magrebe, no delta interior do Níger e nas cidades do Sudão central, na região do lado Chade o Islã foi adotado por muitas comunidades, muitas vezes adquirindo características particulares das crenças africanas onde foi introduzido. A ligação com as cidades sagradas de Meca e Medina dependia das caravanas que iam e vinham trazendo mercadorias, notícias e pessoas que seguiam em peregrinação. Ulemás, transmissores dos conhecimentos se estabeleciam nas localidades orientando a leitura do Alcorão, seu livro sagrado, e a discussão de seu conteúdo. Pretendiam assim garantirem a fidelidade aos preceitos religiosos islâmicos e dirigiam as escolas corânicas compostas de jovens estudantes.                         

No séc. VIII o islamismo estava presente desde a Pérsia, o atual Irã, até a península Ibérica, em toda a Arábia, seu berço, o Império Otomano e pelo norte da África. Até os dias de hoje, junto com o judaísmo e o cristianismo é uma das maiores religiões monoteístas originadas na cultura judaico-cristã e no helenismo, com aproximadamente um bilhão e meio de crentes espalhados pelo mundo. 

Esta fé compreende regras de comportamento, maneiras de viver e de governar próprias dos povos semitas árabes influenciados e inspirados pelas escrituras sagradas de judeus e cristãos. Segundo seus dogmas diferentes povos e etnias podem ser agregados em torno de idéias comuns capazes de produzir uma comunidade una que denominaram de "UMMA". De inspiração igualitária preconiza que todos os crentes possuem os mesmos deveres perante Deus, desde as classes mais baixas até seus monarcas e dirigentes.

Os cinco principais deveres de todo adepto do Islã são:

- A profissão de fé, isto é, a declaração de crença em um só Deus (Só Deus é Deus) e em Maomé como seu profeta.
- A oração cinco vezes ao dia voltado com o corpo em direção à Meca.
- O pagamento de um imposto religioso
- O jejum no mês do Ramadã
- A peregrinação à Meca pelo menos uma vez na vida, onde está localizada a sagrada "Caaba", uma pedra preta de origem  celeste onde antes praticavam seus cultos animistas.

Da expansão islâmica na África surgiu na região do Saara e Sael um grupo lingüístico formado por povos falantes de línguas afro-árabes formada entre os africanos autóctones e levas de migrantes vindos do Oriente Médio que se fixaram na costa mediterrânea, no interior do deserto, vale do Nilo, na Etiópia ao leste, do chifre africano até o atual Marrocos, então conhecido como Magrebe, que significa oeste distante em árabe, populações essas formadas de bérberes descendentes dos Tuaregues e Beduínos vindos da península Arábica.

Mais ao sul viviam os povos falantes de línguas nilo-saarianas, nômades criadores de gado da região do Saara e do Sael, mas que formaram cidades onde o comércio e o artesanato floresceu. Suas elites, comerciantes, plantadores de grãos e administradores geralmente se convertiam ao islamismo africanizado enquanto os agricultores, pastores e artesãos que viviam no interior mantinham suas religiões animistas tradicionais.

Traficante de Escravos - Exerceu seu funesto negócio até 1905 sem ser importunado
Nem a adoção do islamismo, nem a do cristianismo, ambas religiões éticas e com pretensões igualitárias, conseguiram afastar do povo africano o crime e o sofrimento nefasto da escravidão, que entre suas tribos originalmente tinha uma conotação tradicional agregária, mas transformada em processo econômico pelos árabes e europeus invasores, durante cinco séculos, levaram ao cativeiro e ao sequestro para envio às terras distantes milhões de indivíduos, que na sua passagem de um continente ao outro, os poucos que sobreviveram, iam depois ficar a mercê  das sevícias e da ignomínia do trabalho servil imposto pelos castigos e açoites do seus "senhores".           

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