Dirigida por escravos Nagô, a revolta de 1835 foi considerada a mais relevante do séc. XIX. Reuniu entre seus participantes e líderes diversas outra etnias, principalmente os Tapas. A experiência adquirida das muitas revoltas ocorridas na primeira metade do século demonstrou a assimilação pelos cativos de uma forma de resistência contra seus senhores apesar da sangrenta repressão a que eram submetidos após os levantes.
Suas motivações políticas eram restritas ao mundo que os cercava e emanadas da vivência sofrida nas mãos de uma sociedade escravista e pautavam pela simplicidade de objetivos. Pretendiam sua liberdade e o fim do cativeiro dos seus pares. Procuravam tirar o máximo de experiência dos embates anteriores e segundo os registros dos seus captores tinham por objetivo imediato "matar todos os brancos, pardos e crioulos".
A revolta de 1835 teve como característica principal, diferente das demais, de geração espontânea foi um plano urdido com certa antecedência, um aliciamento de participantes na clandestinidade do sistema escravista vigente, e demonstra o real estado de ojeriza dos seus integrantes pela sua condição servil à qual foram obrigados pelas circunstâncias injustas da época. Para mudar sua condição estavam dispostos aos maiores sacrifícios.
Derrotada a iniciativa de 1830 chefiada pelos Nagô, procuraram seus líderes sobreviventes se reorganizar e iniciar a preparação para integrar seus membros para uma nova iniciativa de libertação. Além dos grupos de escravos que se reuniam secretamente em vários pontos da cidade de Salvador, criaram os insurgentes uma associação secreta que funcionava na Barra (Vitória). Essa associação ficava localizada nos fundos da casa do inglês denominado Abrão (Abraham) e exerceu importante papel na estruturação e deflagração do movimento. Era uma casa de palha construída pelos próprios negros para suas reuniões. Seus líderes mais ativos eram os escravos Nagô: Diogo, Ramil, James, Cornélio, Tomás e outros. Reuniam-se periodicamente para traçarem os planos da insurreição, muitas vezes em conjunto com outros grupos do centro da cidade, de negros dos saveiros de Santo Amaro e Itaparica, com quem mantinham contato e contavam para o sucesso do levante.
Essa associação existia já bem antes do levante. Existiam já denúncias contra sua existência bem antes dos acontecimentos, já que era proibido aos negros manterem organizações. Os seus membros possuíam um anel que os identificava e, pelo menos, no dia do levante, usavam indumentárias brancas que os distinguiam. Havia na associação um escravo chamado Tomás, que ensinava os demais a escrever certamente em caracteres arábicos. Havia também capitães eleitos pelo grupo.
Outro lugar importante de reuniões era a casa do preto forro Belchior da Silva Cunha. Ainda segundo o depoimento da escrava Teresa, na sua delação, indicou um negro da nação Tapa, mestre que foi um dos mais importantes do levante denominado Luís Sanim. Nessa casa reuniam-se os líderes mais importantes do movimento que discutiam e articulavam seus planos com elementos do Recôncavo e de outros cantos da província.
Será ainda ponto de reunião a casa do Alufá Pacífico Licutã que, no cruzeiro de São Francisco, pregava abertamente aos cativos as idéias de libertação. Esse importante personagem, influente entre os seus, era letrado, e ensinava aos demais mistérios e rezas malês. Tendo sido "depositado" em penhora por dívida aos frades carmelitas pelo seu "senhor" foi obrigado assistir impotente ao desenrolar dos acontecimentos, tendo os escravos tentado libertá-lo, sem o conseguir. O carcereiro testemunhou posteriormente que foi grande o número de escravos que foram em visita ao prisioneiro durante os dias que antecederam o levante. Eles chegaram a reunir o valor necessário para sua libertação mas seu "dono" não aceitou o pagamento o que leva a crer que o mantinha preso de caso pensado.
Manuel Calafate foi outro cabeça do movimento. Sua casa era centro de reunião dos mais importantes. No porão onde habitava, no segundo prédio da Ladeira da Praça, todos os escravos das imediações, ligados ao movimento, participavam ativamente dos encontros. Além de Calafate, atuavam como parceiros os negros Aprígio e Conrado. Após sufocado o movimento farto material foi encontrado: livros, tábuas com rezas. Da mesma forma foi encontrado na casa do Hauçá Elesbão Dandará, que antes morava no Gravatá, mas que preferiu alugar uma tenda no Beco dos Tanoeiros para melhor aliciar adeptos que reunia e instruía nos mistérios e princípios do Islã. Difundia as rezas em papéis e tábuas escritas em caracteres arábicos exortando a fé e a liberdade e os rosários para execução das rezas. Era também, como Luís Sanim, mestre em sua terra nativa.
Tinham ainda os escravos outro local de reuniões, a porta do Convento das Mercês. Os negros que pertenciam àquele convento, chefiados pelos escravos Agostinho e Francisco se reuniam com cativos de outras procedências para discutirem formas de conseguirem sua libertação. Em seus pontos de encontro como na casa de um preto chamado Luís, na rua Juliano ou na casa do preto Ambrósio de nação nagô, residente ao Tabuão onde a policia iria encontrar, nas buscas realizadas após o sufocamento do movimento, "papéis com inscritos em caracteres arábicos", e muitos outros lugares de reunião que vão ser devassados depois de iniciada a violenta repressão.
Mantinham contato com os escravos do Recôncavo e de Pernambuco formando dois grupos principais que orientavam e dirigiam o movimento: o primeiro era o núcleo urbano, com ramificações em diversos lugares - Ladeira da Praça, Guadelupe, Convento das Mercês, Largo da Vitória, Cruzeiro de São Francisco, Beco do Grelo, Beco dos Tanoeiros e assim por diante, chefiados por Dandará, Licutã, Sanim, Belchior, Calafate e outros; e o segundo chefiado pelos escravos Jamil, Diogo, James e outros pertencentes ao Clube da Barra, certamente com ligações insuspeitas nunca reveladas na devassa. Os dois grupos mantinham estreito contato e promoviam reuniões para articular a sublevação com ligações no interior do Recôncavo baiano. Os negros de Santo Amaro, de Itaparica e outros pontos vinham se reunir com os de Salvador para discutirem os detalhes do movimento. Aliás será através das conversas de escravos e saveireiros que mencionaram a presença de escravos de Santo Amaro para conspirar que a escrava Guilhermina tomou conhecimento do levante e denunciou para as autoridades da repressão.
Os cativos criaram um fundo para as despesas do movimento. A idéia foi de Luís Sanim e era feita a coleta por Belchior e Gaspar, que quando foram recolhidos ao Forte do Mar, após suas prisões tiveram confiscado em suas casas a quantia de setenta e nove mil e quatrocentos e oitenta réis que haviam reunido para pagarem as roupas, saldarem as semanas de seus senhores, e comprarem alforrias dos companheiros. Fazia muito tempo que vinham penosamente juntando dinheiro para fazer frente as despesas necessárias. Iriam manter essa mesma conduta nas revoltas posteriores, certamente pela eficiência estratégica desse procedimento.
O plano militar foi elaborado antecipadamente e foram distribuídas as ordens entre as células para sua execução pelos chefes imediatos. Partiria um grupo da Vitória, comandado pelos chefes do Clube, "tomando a terra e matando toda a gente da terra de branco", rumando para a Água dos Meninos e, em seguida, marchando para o Cabrito, "atrás de Itapagipe", onde se reuniriam às demais forças e fariam a conexão com os escravos dos engenhos. Essas ordens foram dirigidas em forma de proclamações por um líder que se intitulava Mala Abubaker.
O plano não foi rigorosamente executado em função da delação da escrava Guilhermina, o que prejudicou o fator surpresa. Seu companheiro, que fazia parte do levante, através das conversas com outros envolvidos inteirou a escrava da conspiração que delatou o plano dos escravos para as autoridades. Fez chegar ao juiz de paz a data e a hora do levante, que foi prontamente informado ao presidente da província. A cidade ficou em pé de guerra, sentinelas tomaram postos e o chefe da policia foi até o Bom Fim para evitar a conexão dos revoltosos com os dos engenhos das cercanias.
Vendo que a situação era insustentável os chefes escravos anteciparam a revolta e partiram para o ataque para evitar uma devassa inevitável, pois as forças policiais começaram a invadir as casas e os redutos dos escravos, a repressão já estava em andamento. Na noite de 24 de Janeiro estourou a revolta armada, naquela altura quase como um ato de desespero.
Os primeiros tiros foram ouvidos da casa da Ladeira da Praça de Manuel Calafate, que apesar das evasivas do inquilino, o pardo Domingos Martinho de Sá, foi cercada e invadida pela força policial que sabia da existência de um grupo de escravos que estava escondido na loja, isto é, nos porões da habitação, como era costume chamar em Salvador esse tipo de espaço inferior. Quando as autoridades foram dar busca na casa de súbito se entreabriu a porta da loja e dela partiu um tiro de bacamarte, seguido da irrupção de uns 60 negros armados de espadas, lanças, pistolas, espingardas e aos gritos de mata soldado.
Da defensiva partiram imediatamente para a ofensiva dentro da casa e seguiram em marcha forçada em direção a Ajuda para arrombar a cadeia e libertar os companheiros e principalmente Pacifico Licutã. Não obtendo sucesso na investida, o grupo de escravos seguiu em direção ao Largo do Teatro, onde travou desesperado combate com a policia, colocando em fuga mais uma vez suas forças. Tinham aberto caminho até o Forte de São Pedro com essa vitória. Vendo a impossibilidade de tomar a fortificação com seus canhões tentarão a conexão com as outras forças que vieram da Vitória chefiadas pelo pessoal do Clube da Barra que já haviam se juntado ao grupo do Convento das Mêrces. Os escravos da Vitória atravessaram o fogo do forte e operaram a junção planejada. Em seguida seguiram abrindo caminho em direção à Mouraria, novamente envolvidos em combate com a policia. Perderam dois dos seus e partiram em direção à Ajuda para novamente intentar libertar Licutã. Dai mudaram seu curso descendo para a Baixa dos Sapateiros, seguindo pelos Coqueiros. Irromperam na Água dos Meninos, na Cidade Baixa onde ocorreu o derramamento de sangue definitivo, em combate de grande proporções com a policia.
Na Igreja do Bom Fim as famílias abastadas dos senhores foram alojadas em segurança enquanto o chefe de policia comandava o sufocamento do levante. Os escravos investiram sobre o Forte de Cavalaria com o heroísmo do desespero, de quem não tem nada a perder, na sua luta pela libertação. Foram vencidos pela superioridade das armas no seu ataque que mesmo assim causou profunda impressão pela coragem até nos adversários. As forças do governo causaram baixas importantes aos atacantes. A um comando do chefe da policia uma carga de cavalaria avança sobre os revoltosos enquanto infantes fazem alvo das ameias do forte varando os corpos dos escravos. A carnificina se instaura. Perderam a vida cerca de quarenta revoltosos. Muitos foram feridos, outros se afogaram ao tentar empreender a fuga pelo mar que estava guarnecido por uma fragata da marinha. O levante foi sufocado.
Pacifico Licutã que já estava preso antes do levante viu abatido seus companheiros serem levados a ferro para a cadeia. Todos tiveram um comportamento digno perante os captores. Além dele houveram outros guerreiros que se destacaram nos combates de rua. Com as roupas sujas de sangue e ferimentos a bala no corpo os dirigentes do Clube da Barra foram todos detidos pelas autoridades. Uns foram levados para a Fortaleza de São Pedro e outros para o Forte do Mar.
Acabado o levante, brutal repressão abateu-se sobre seus integrantes. A cidade ficou sendo patrulhada dia e noite. Francisco Gonçalves Martins, o chefe da policia que derrotou os revoltosos manda invadir as residencias de negros escravos e forros que foram todas vasculhadas e 281 são levados presos. Foram organizadas milicias de populares para guardar as ruas da cidade. Os escravos só podiam sair à rua com ordem escrita de seus senhores dizendo qual os seus destinos.
Depois do ritual processual quase todos foram condenados a penas duras. Inicialmente dezesseis foram condenados a morte. Depois alguns foram indultados pelo Regente. Elesbão Dandará, um dos lideres, deve ter morrido em combate, pois não há menção de seu nome nos autos. Manuel Calafate, ao que parece, nada sofreu. O mestre Luís Sanim foi condenado a morte, mas teve sua sentença comutada para seiscentos açoites. Pacifico Licutão, apesar de preso quando estourou a revolta foi condenado a seiscentos açoites. Os lideres do Clube da Barra foram rigorosamente punidos. Antonio Hauçá foi condenado a quinhentos açoites; Higino sofreu pena de quatrocentos açoites; Tomp a de quinhentos; Luis Nagô a duzentos açoites; e Tomás, "o mestre que ensinava a ler", a trezentos açoites em praça pública "aplicados interpoladamente como manda a lei".
Cinco foram condenados a morte por se negar a viver em cativeiro. No dia 14 de maio de 1835 foram fuzilados. Foram eles os libertos Jorge da Cunha Barbosa e Jose Francisco Gonçalves e os escravos Gonçalo, Joaquim e Pedro. Condenados a forca não encontrou o governo quem os executasse e por isso foram fuzilados com honras militares.
Durante o processo negam delatar os companheiros, dizem desconhecer os que lideraram a insurreição, até mesmo seus vizinhos dizem ignorar. Henrique Nagô, tomado pelo tétano das feridas que o mataria horas depois disse não conhecer quem o convidou para a revolta e morre em convulsões negando sempre até o momento final. Entre os que morreram nos combates, ou afogados, os que morreram dos ferimentos e mau tratos e os que foram executados foram mais de cem.
Do lado senhorial morreram apenas dois militares, um sargento da Guarda Nacional e um soldado de artilharia que lutou com louvor e matou um negro e feriu muitos outros antes de ser abatido. Mais três sofreram ferimentos e civis que foram atingidos mortalmente.
Em 1844 houve nova tentativa de organizar mais um levante, mas foi rapidamente sufocado após a delação de outra escrava que havia se desentendido do companheiro. Pouco se sabe do destino de seus mentores ambos Malês.
Nas conspirações contra a côroa e na guerra da independência do Brasil, quando os "senhores de escravos"tomavam partido ora por uma ora por outra facção, influenciados pelos novos ares de revolução provenientes da Europa, os negros foram sempre convocados à lutar e levados ao martírio por seus donos. Como recompensa pelo sacrifício supremo sempre era acenada a tão desejada liberdade ao fim do conflito, como argumento para motivá-los para o combate. Nessas guerras e revoluções demonstraram seu denodo e valentia reconhecida pelos muitos registros deixados na história Finda a revolução ou a guerra, as promessas eram quase sempre esquecidas ao arrefecer dos bater dos tambores e os negros que tinham pego gosto pelas armas eram particularmente visados pela repressão, no período de paz, quando não chacinados, como ocorreu no sul, ao fim da Revolução Farroupilha. Quando era vencida a conjura e desterrados os conjurados, os"donos" levavam seus criados junto com os pertences pessoais, como semoventes, solidários forçados que eram os cativos na desgraça dos "senhores".
Bibliografia: Texto Adaptado de Rebeliões das Senzalas - Clóvis Moura - 1988 - Ed. Mercado Aberto 4° Ed.
Tinham ainda os escravos outro local de reuniões, a porta do Convento das Mercês. Os negros que pertenciam àquele convento, chefiados pelos escravos Agostinho e Francisco se reuniam com cativos de outras procedências para discutirem formas de conseguirem sua libertação. Em seus pontos de encontro como na casa de um preto chamado Luís, na rua Juliano ou na casa do preto Ambrósio de nação nagô, residente ao Tabuão onde a policia iria encontrar, nas buscas realizadas após o sufocamento do movimento, "papéis com inscritos em caracteres arábicos", e muitos outros lugares de reunião que vão ser devassados depois de iniciada a violenta repressão.
Mantinham contato com os escravos do Recôncavo e de Pernambuco formando dois grupos principais que orientavam e dirigiam o movimento: o primeiro era o núcleo urbano, com ramificações em diversos lugares - Ladeira da Praça, Guadelupe, Convento das Mercês, Largo da Vitória, Cruzeiro de São Francisco, Beco do Grelo, Beco dos Tanoeiros e assim por diante, chefiados por Dandará, Licutã, Sanim, Belchior, Calafate e outros; e o segundo chefiado pelos escravos Jamil, Diogo, James e outros pertencentes ao Clube da Barra, certamente com ligações insuspeitas nunca reveladas na devassa. Os dois grupos mantinham estreito contato e promoviam reuniões para articular a sublevação com ligações no interior do Recôncavo baiano. Os negros de Santo Amaro, de Itaparica e outros pontos vinham se reunir com os de Salvador para discutirem os detalhes do movimento. Aliás será através das conversas de escravos e saveireiros que mencionaram a presença de escravos de Santo Amaro para conspirar que a escrava Guilhermina tomou conhecimento do levante e denunciou para as autoridades da repressão.
Os cativos criaram um fundo para as despesas do movimento. A idéia foi de Luís Sanim e era feita a coleta por Belchior e Gaspar, que quando foram recolhidos ao Forte do Mar, após suas prisões tiveram confiscado em suas casas a quantia de setenta e nove mil e quatrocentos e oitenta réis que haviam reunido para pagarem as roupas, saldarem as semanas de seus senhores, e comprarem alforrias dos companheiros. Fazia muito tempo que vinham penosamente juntando dinheiro para fazer frente as despesas necessárias. Iriam manter essa mesma conduta nas revoltas posteriores, certamente pela eficiência estratégica desse procedimento.
O plano militar foi elaborado antecipadamente e foram distribuídas as ordens entre as células para sua execução pelos chefes imediatos. Partiria um grupo da Vitória, comandado pelos chefes do Clube, "tomando a terra e matando toda a gente da terra de branco", rumando para a Água dos Meninos e, em seguida, marchando para o Cabrito, "atrás de Itapagipe", onde se reuniriam às demais forças e fariam a conexão com os escravos dos engenhos. Essas ordens foram dirigidas em forma de proclamações por um líder que se intitulava Mala Abubaker.
O plano não foi rigorosamente executado em função da delação da escrava Guilhermina, o que prejudicou o fator surpresa. Seu companheiro, que fazia parte do levante, através das conversas com outros envolvidos inteirou a escrava da conspiração que delatou o plano dos escravos para as autoridades. Fez chegar ao juiz de paz a data e a hora do levante, que foi prontamente informado ao presidente da província. A cidade ficou em pé de guerra, sentinelas tomaram postos e o chefe da policia foi até o Bom Fim para evitar a conexão dos revoltosos com os dos engenhos das cercanias.
Vendo que a situação era insustentável os chefes escravos anteciparam a revolta e partiram para o ataque para evitar uma devassa inevitável, pois as forças policiais começaram a invadir as casas e os redutos dos escravos, a repressão já estava em andamento. Na noite de 24 de Janeiro estourou a revolta armada, naquela altura quase como um ato de desespero.
Os primeiros tiros foram ouvidos da casa da Ladeira da Praça de Manuel Calafate, que apesar das evasivas do inquilino, o pardo Domingos Martinho de Sá, foi cercada e invadida pela força policial que sabia da existência de um grupo de escravos que estava escondido na loja, isto é, nos porões da habitação, como era costume chamar em Salvador esse tipo de espaço inferior. Quando as autoridades foram dar busca na casa de súbito se entreabriu a porta da loja e dela partiu um tiro de bacamarte, seguido da irrupção de uns 60 negros armados de espadas, lanças, pistolas, espingardas e aos gritos de mata soldado.
Da defensiva partiram imediatamente para a ofensiva dentro da casa e seguiram em marcha forçada em direção a Ajuda para arrombar a cadeia e libertar os companheiros e principalmente Pacifico Licutã. Não obtendo sucesso na investida, o grupo de escravos seguiu em direção ao Largo do Teatro, onde travou desesperado combate com a policia, colocando em fuga mais uma vez suas forças. Tinham aberto caminho até o Forte de São Pedro com essa vitória. Vendo a impossibilidade de tomar a fortificação com seus canhões tentarão a conexão com as outras forças que vieram da Vitória chefiadas pelo pessoal do Clube da Barra que já haviam se juntado ao grupo do Convento das Mêrces. Os escravos da Vitória atravessaram o fogo do forte e operaram a junção planejada. Em seguida seguiram abrindo caminho em direção à Mouraria, novamente envolvidos em combate com a policia. Perderam dois dos seus e partiram em direção à Ajuda para novamente intentar libertar Licutã. Dai mudaram seu curso descendo para a Baixa dos Sapateiros, seguindo pelos Coqueiros. Irromperam na Água dos Meninos, na Cidade Baixa onde ocorreu o derramamento de sangue definitivo, em combate de grande proporções com a policia.
Na Igreja do Bom Fim as famílias abastadas dos senhores foram alojadas em segurança enquanto o chefe de policia comandava o sufocamento do levante. Os escravos investiram sobre o Forte de Cavalaria com o heroísmo do desespero, de quem não tem nada a perder, na sua luta pela libertação. Foram vencidos pela superioridade das armas no seu ataque que mesmo assim causou profunda impressão pela coragem até nos adversários. As forças do governo causaram baixas importantes aos atacantes. A um comando do chefe da policia uma carga de cavalaria avança sobre os revoltosos enquanto infantes fazem alvo das ameias do forte varando os corpos dos escravos. A carnificina se instaura. Perderam a vida cerca de quarenta revoltosos. Muitos foram feridos, outros se afogaram ao tentar empreender a fuga pelo mar que estava guarnecido por uma fragata da marinha. O levante foi sufocado.
Pacifico Licutã que já estava preso antes do levante viu abatido seus companheiros serem levados a ferro para a cadeia. Todos tiveram um comportamento digno perante os captores. Além dele houveram outros guerreiros que se destacaram nos combates de rua. Com as roupas sujas de sangue e ferimentos a bala no corpo os dirigentes do Clube da Barra foram todos detidos pelas autoridades. Uns foram levados para a Fortaleza de São Pedro e outros para o Forte do Mar.
Acabado o levante, brutal repressão abateu-se sobre seus integrantes. A cidade ficou sendo patrulhada dia e noite. Francisco Gonçalves Martins, o chefe da policia que derrotou os revoltosos manda invadir as residencias de negros escravos e forros que foram todas vasculhadas e 281 são levados presos. Foram organizadas milicias de populares para guardar as ruas da cidade. Os escravos só podiam sair à rua com ordem escrita de seus senhores dizendo qual os seus destinos.
Depois do ritual processual quase todos foram condenados a penas duras. Inicialmente dezesseis foram condenados a morte. Depois alguns foram indultados pelo Regente. Elesbão Dandará, um dos lideres, deve ter morrido em combate, pois não há menção de seu nome nos autos. Manuel Calafate, ao que parece, nada sofreu. O mestre Luís Sanim foi condenado a morte, mas teve sua sentença comutada para seiscentos açoites. Pacifico Licutão, apesar de preso quando estourou a revolta foi condenado a seiscentos açoites. Os lideres do Clube da Barra foram rigorosamente punidos. Antonio Hauçá foi condenado a quinhentos açoites; Higino sofreu pena de quatrocentos açoites; Tomp a de quinhentos; Luis Nagô a duzentos açoites; e Tomás, "o mestre que ensinava a ler", a trezentos açoites em praça pública "aplicados interpoladamente como manda a lei".
Cinco foram condenados a morte por se negar a viver em cativeiro. No dia 14 de maio de 1835 foram fuzilados. Foram eles os libertos Jorge da Cunha Barbosa e Jose Francisco Gonçalves e os escravos Gonçalo, Joaquim e Pedro. Condenados a forca não encontrou o governo quem os executasse e por isso foram fuzilados com honras militares.
Durante o processo negam delatar os companheiros, dizem desconhecer os que lideraram a insurreição, até mesmo seus vizinhos dizem ignorar. Henrique Nagô, tomado pelo tétano das feridas que o mataria horas depois disse não conhecer quem o convidou para a revolta e morre em convulsões negando sempre até o momento final. Entre os que morreram nos combates, ou afogados, os que morreram dos ferimentos e mau tratos e os que foram executados foram mais de cem.
Do lado senhorial morreram apenas dois militares, um sargento da Guarda Nacional e um soldado de artilharia que lutou com louvor e matou um negro e feriu muitos outros antes de ser abatido. Mais três sofreram ferimentos e civis que foram atingidos mortalmente.
Em 1844 houve nova tentativa de organizar mais um levante, mas foi rapidamente sufocado após a delação de outra escrava que havia se desentendido do companheiro. Pouco se sabe do destino de seus mentores ambos Malês.
Nas conspirações contra a côroa e na guerra da independência do Brasil, quando os "senhores de escravos"tomavam partido ora por uma ora por outra facção, influenciados pelos novos ares de revolução provenientes da Europa, os negros foram sempre convocados à lutar e levados ao martírio por seus donos. Como recompensa pelo sacrifício supremo sempre era acenada a tão desejada liberdade ao fim do conflito, como argumento para motivá-los para o combate. Nessas guerras e revoluções demonstraram seu denodo e valentia reconhecida pelos muitos registros deixados na história Finda a revolução ou a guerra, as promessas eram quase sempre esquecidas ao arrefecer dos bater dos tambores e os negros que tinham pego gosto pelas armas eram particularmente visados pela repressão, no período de paz, quando não chacinados, como ocorreu no sul, ao fim da Revolução Farroupilha. Quando era vencida a conjura e desterrados os conjurados, os"donos" levavam seus criados junto com os pertences pessoais, como semoventes, solidários forçados que eram os cativos na desgraça dos "senhores".
Bibliografia: Texto Adaptado de Rebeliões das Senzalas - Clóvis Moura - 1988 - Ed. Mercado Aberto 4° Ed.